Para ler com as músicas!
Eu estou num carrossel. Já passa das oito da noite, todas as luzes estão acesas e tem muito barulho lá fora, mas eu não consigo escutar. Não ouço nada, só a música. Alta, muito alta, mas não me incomoda. Você também está escutando a música. Você subiu em um dos cavalinhos cor-de-rosa e se sentiu um idiota ao fazê-lo, mas eu pedi, então você foi.
Está sentindo girar? Pois o carrossel começou a se mexer, ele roda cada vez mais rápido, e mais rápido. Você sente o vento no rosto. No início é gelado e te incomoda, mas logo se acostuma. Não tem mais ninguém aqui, agora você também acha isso, você se sente sozinho, ou a sós, comigo, com a música e com as luzes que não te ferem mais, não são mais gritantes, elas te envolvem. Você já não repara mais nas partes do brinquedo velho que estavam sem pintura. Já não faz mais diferença o que você faz aqui, você QUER estar aqui.
Continue atento à música. Experimente fechar os olhos. Fechar é como abrir os olhos. Eu vejo tudo passando por mim diversas e diversas vezes. O “tudo”, no início, são os pilares, os outros cavalos sozinhos e você. Mas no instante seguinte, o que vejo girar são as pessoas. Não as presentes, mas as pessoas dentro da minha cabeça. Os lugares, os cheiros, os abraços que eu colecionei. As palavras todas que eu guardei. E você? Está vendo o que girar? E como se sente? Estas coisas vêm na sua direção ou giram ao seu lado? Como eu no meu cavalinho?
Você pode abrir os olhos pra me ver? Você está na ponta do brinquedo, eu estou no canto de dentro, à sua esquerda, perto do pilar central, junto aos espelhos… Eu não paro de rir, ainda de olhos fechados, cabelo solto todo embolado no rosto. Eu pareço estar muito tonta, mas, ao mesmo tempo, me divertindo. É verdade, estou adorando. Vou odiar quando acabar.
Enquanto você me olha, você se vê no reflexo do espelho por trás de mim, mude o foco e repare: Você está vestido como se vestia quando tinha 17 anos. Seu penteado também é o mesmo daquela época. 17 anos. É, você estava muito bem.
Não! Aconteceu alguma coisa nada boa comigo, veja, eu estou desmaiada em cima do cavalo, envolvendo o pescoço do bichinho! Se ele fosse vivo, eu o estaria estrangulando. Você está preocupado, mas não pode sair do lugar com o carrossel em movimento, e ele não para de girar nunca. A música alta, as luzes fortes, os pilares passando rápido começam a te irritar, você odeia perder controle. Será que deve pular? Mas quem sou eu pra você? Melhor não sair do lugar, melhor apenas esperar algum responsável chegar.
O carrossel começa a frear mais rápido do que deveria. Você se sente aliviado, mas não consegue se mexer. Você vê que outras pessoas já estão indo até mim, isto significa que eu não preciso mais da sua ajuda. Você fica lá, montado e se segurando forte como se ainda estivesse girando.
Eu abri os olhos, estava com o corpo inclinado em alguém que não conhecia; levantei o pescoço pra saber onde você estava, te procurei entre os rostos, e te encontrei ali, estatizado olhando de longe, olhando do seu cavalo. Foi quando você reparou que quem estava me segurando não trabalhava no parque, eram pessoas normais que entraram no brinquedo ainda em movimento pra saber se eu estava bem. E você estava agarrado ao seu cavalo até o momento. Com medo. Medo de não sei o que, mas era medo.
Eu continuava te olhando nos olhos, perplexa. As pessoas cruzavam entre mim e você, mas eu não mudava o foco. Pra você tudo acontecia em câmera lenta, demorava horas a passagem dos indivíduos pelo seu campo de visão, e quando eles finalmente saíam da sua frente você voltava a me ver. Pra mim era tudo muito rápido, todos passavam correndo, em um piscar de olhos eu já te via novamente, distante.
Você já estava em pé. Havia um holofote por atrás, uma luz pálida, fria, que não me deixava ver sua expressão. Qual seria? O que você sentia? Queria estar ali ou aqui? Eu pensei que nós dois estávamos juntos no brinquedo. Eu pensei que você pudesse me ajudar se alguma coisa desse errado. Eu achei que estaria segura com você.
Eu já estava sentada no cavalinho novamente, te encarando com olhar mais bobo que você já havia visto, respondendo às perguntas das pessoas, com a cabeça:
— Você está melhor?
— Comeu alguma coisa?
— Quer mais água?
— Veja, você está tão gelada
— Eu vou buscar algo pra você comer, o que você gosta?
— Tem alguém que pode te levar pra casa? — Essa eu tive que abrir a boca:
— Não, não tem ninguém em casa.