E pensar que quando a vida quer te pregar uma peça, ela consegue.
Eram 8 A.M e o relógio despertou sozinho no quarto. E a moça em coma. O ventilador fazia aquele som de ninar enquanto ela se virava e revirava pensando como era gostoso acordar de mansinho antes de ouvir o relógio tocar. E tudo pára. Acabou a luz. Ela abre os olhos, sente o calor… _ Que horas são? _ 13:30! Uma dúzia de trabalhos pra fazer, um cabelo sujo e embaraçado, curso no centro da cidade dentro de 5 horas! Aquilo que seria um dia normal de trabalho em casa, banho longo, produção decente pra uma aparição em público, ônibus com ar-condicionado na porta de casa pra uma longa viagem até o curso, se resumiria em cabelo sujo preso pro alto, uma mochila xadrez, camisa cinza, calça jeans, allstar e um par de olheiras. Dia do inferno.
Concentrada no trabalho, ela saiu de casa de qualquer jeito e se refugiou num local com internet no centro comercial. Chegou até ao ponto de ficar feliz por conseguir terminar todos os projetos em tempo de… _ Meu Deus, perdi a hora! _ Moça, nem lave o rosto! Corra pro meio de transporte mais rápido, seu curso no centro da cidade começa em uma hora!
— Integração trem e metrô, por favor.
Agora é só sentar e esperar nesse calor de 50º o próximo trem chegar. Uma voz feminina misteriosa nos auto falantes diz que “excepcionalmente hoje o trem na plataforma ao lado destina o centro da cidade”. A garota atravessa a estação, escolhe o melhor lugar no último vagão e continua concentrada em manter a calma no dia mais quente do ano. Então a voz misteriosa anuncia a chegada de um trem, com ar-condicionado, para o centro da cidade na plataforma onde ela estava. Que sorte! Os passageiros reclamam, tentam sair correndo, tentam atravessar a estação pela linha do trem. Ela continua calma, apática; e suando. Dizem que quanto mais rápido nosso sangue circula, mais calor sentimos. Melhor mesmo ficar quieta. Daqui a pouco esse trem sai.
5 minutos, 10 minutos, 15 minutos depois, a voz retorna anunciando mais um trem com ar-condicionado na plataforma correta. Ela não conteve a raiva dessa vez e saiu enfurecida do vagão em direção às escadas.
— Qual trem vai sair primeiro?
— Este aqui — o segurança aponta para o trem do inferno.
Ela não voltaria de mãos vazias para o mesmo lugar, mostrando a vergonha aos outros passageiros, de ter perdido o controle e, ainda por cima, estar errada. Escolheu outro vagão pra voltar, aquele onde ninguém presenciou sua saída enraivecida.
— Você ainda pode ir pra casa, pense bem, tem uma piscina te esperando, banho gelado… — Essa moça tinha uma voz unissex na cabeça e elas conversavam nos momentos mais irônicos. Ela pegou a apostila, olhou o conteúdo da aula — Você já sabe de tudo isso, sai daqui e vai pra casa. Acaba com esse calor! É uma aula só, não vai fazer tanta diferença…
— Voz — ela replicou — tá muito quente, tô com preguiça de sair daqui. Vai ser o mesmo inferno de calor lá fora e 40 minutos até chegar em casa. Ao menos se eu for pro curso só vou precisar levantar daqui a uma hora e meia. — E ficou.
Dois minutos depois, o trem partiu. Fechou os olhos.
— Não, não tem como você dormir nesse calor. Vem, vamos conversar! Vi que você quer fazer uma tatuagem com a Michele, do que vai ser?
— O símbolo do infinito, mas eu não quero aquele coração…
— Que coração?
— Ela me enviou a imagem de um infinito que faz o formato do coração.
— Não pode, o símbolo tem que ser contínuo!
— Eu sei, eu disse pra ela que não gostei.
— Já parou pra pensar que o símbolo do infinito é na verdade…
— O símbolo da eternidade.
— Sim! Já tinha pensado nisso?
— Não, mas agora que você citou… eu pensei. Bom, você pensou e eu ouvi.
— Qual a diferença entre o infinito e o eterno?
— Infinito não tem fim, eterno não tem início e não tem fim.
— Então o símbolo do infinito está errado porque ele não tem início e nem fim. É eterno.
— Mas pensando bem…
— Hum
— Tudo o que é eterno é infinito. Mas nem tudo que é infinito é eterno.
— Quê?
— Veja bem, a eternidade é infinita, então o símbolo não está tão errado assim, é uma coisa dentro da outra. Não sei se saberei explicar assim, mas está correto. O símbolo do infinito é uma representação do eterno, mas como o eterno também é infinito, então é válido.
— E como seria um símbolo que representasse apenas o infinito?
— Não sei
— Pensa! Você não tem mais nada pra fazer…
— Uma setinha pro lado? Um ponto e uma setinha!
— Que horror, ninguém iria querer tatuar isso!
— Eu sei, mas eu não tenho obrigação de criar um símbolo aqui e agora, nesse calor.
— Pensa no que é o infinito pra você.
— Miguel!
— Quê? Achei que você já tinha superado isso…
— Não, Miguel tá ali fora, na estação!
— O trem passou muito rápido, será que era?
— Era… ele sorriu.
— É, e ele entrou.
— Mas que merda!
— Oi? _ Ele disse com um largo sorriso.
— Oi.
— Tudo bem?
— Tudo bem. _ Ela respondeu olhando pra frente, encarando a janela do trem.
— O quê? Quer que eu mude de vagão?
— Não.
…
— Que foi?
— Nada.
…
— Fui transferido paro Brasil!
— Eu sei.
— Sabe como?
— Lucas.
— Que Lucas?
…
— Ah, o Lucas! Ele falou com você ou você falou com ele?
— Eu falei. _ “Hum, sentiu o ciume? Ele sempre desconfiou do Lucas…” _ Pára, voz! Agora não.
…
— Seus pais estão bem?
— Sim.
— Está morando onde?
— Na mesma casa de sempre…
— Sozinha?
— Sim.
— Tem certeza que está tudo bem? Você está diferente!
— Não é um dia bom. _ “Cara, ela tá um caco, quando uma mulher vai ficar feliz de ver o Encantado num dia desses?”
— Está namorando?
— Não.
— Ninguém, ninguém?
— Ninguém. Nunca estive tão _ pensou em “sozinha” _ livre de qualquer coisa do tipo! _ “devia ter dito ‘sozinha’, vai que ele sente pena?”
— A vai, não é tão ruim assim!
— Não, não é… _ DEUS, VOZ. PÁRA!
— Está nervosa, parece que viu uma assombração.
— Eu vi, e ela entrou no vagão e sentou do meu lado!
…
— Seu irmão está bem?
— Sim.
— Ele tem um filho né? _ Ele sabia que tinha, mas o objetivo era tentar achar algum ponto fraco que fizesse ela se desarmar.
— Sim.
— Quantos anos ele tem? Quatro?
— Quatro.
— Eu tinha ele no MSN… Mas eu não uso mais MSN…
…
— Isso ‘tá parecendo um interrogatório…
— Um o quê? _ Ela gritou por causa do barulho dos trilhos.
— Um interrogatório!
…
— Está indo pra onde?
— Pro centro.
— Você sabia que eu vou casar?
— Quê?? _ Ela perguntou assumindo seu ponto fraco.
— Vou casar, daqui a 3 meses, já!
— Parabéns… _ “Puta que pariu, era pra ele acreditar nesse parabéns?”
…
— Você não quer saber nada de mim ou não sabe o que perguntar?
— Não.
— Não o que, não sabe o que perguntar ou você não quer saber de mim?
…
— Agora você está sem graça de dizer que não quer saber de mim.
— Ok, ok. Desculpa. Eu vou deixar de ser isso que eu estou sendo e vou te tratar melhor. Até porque eu já soube do que não queria saber sem nem precisar perguntar! Como pode ser pior? Como está o trabalho aqui? Muito diferente da Alemanha?
— Que pior?
— O melhor!
— Você falou pior.
— Eu falei o pior, mas é o melhor!
— Você continua complicada…
— Não.
— Duvido.
— Não, eu cresci!
— Você nunca teve certeza de querer alguma coisa mesmo querendo.
— Não foi por isso! _ “Garota, esquece. Tem coisas que nunca serão entendidas.”
…
— Fala, como está o trabalho aqui?
— Forçado? Melhor não falar nada, assim fica horrível.
— É, ‘tá forçado mesmo. Melhor não.
…
— É que eu não quero mudar a imagem que eu tenho de você, aquele garoto que escrevia poesia e ainda tocava bateria.
— Você vive numa fantasia, né?
— Parece que sim… Você ‘tá mesmo aqui?
— Estou!
— Pode não estar, o lugar ainda pode estar vazio e eu imaginando que estamos conversando.
— Pode ser, olha só, está todo mundo te olhando.
— Pior que ‘tá mesmo. Mas eu posso ser sua imaginação também e você está aqui falando com esse ferro!
— Não, não pode.
— Por quê?
_ Porque eu sou sua imaginação e não dá pra uma imaginação ter imaginação.
_ Tá.
…
_ Você está trabalhando?
_ Sim. Eu tenho um site…
_ E dá dinheiro?
_ Sim.
_ Eu tenho uma coisa além do hospital.
_ O quê?
_ Estou escrevendo um livro.
_ Sobre o quê?
_ Não posso falar.
_ Como assim não pode falar?
_ Não me sinto à vontade pra falar sobre isso com você!
_ Como assim?
_ É autoajuda!
_ Não… não é de autoajuda… _ “Pergunta se é pornô”
_ Não..
_ Então, o que é? _ “Pergunta se é pornô!”
_ Não vou dizer pra você
_ É erótico? _ “PORNÔ!”
_ Não
_ Pornô descarado?
_ Não. Não vai adiantar perguntar que eu não vou te dizer.
_ Mas você não pode fazer isso, é errado!
_ O quê?
_ É errado contar uma parte e não terminar.
_ É, mas eu não vou contar!
_ Você é minha imaginação, você tem que contar!
_ Se eu sou sua imaginação é um bloqueio seu o fato de eu não contar.
_ Droga, você está certo…
_ Eu sou muito bom!
_ E eu tenho muitos bloqueios, se você diz que eu tenho mais este eu acredito.
…
_ Pra quem mais você não pode dizer?
_ Vai tentar vários tipos de pergunta?
_ Sim, vou pela lógica! Sou boa em lógica…
_ Eu posso dizer, só não me sinto à vontade pra contar pra você.
_ Pra quem mais? Além de mim?
…
_ Seu irmão sabe?
_ Meu irmão sabe de tudo, ele é maluco!
_ Seu irmão continua maluco?
_ Infelizmente sim.
_ Por que infelizmente? Ele é feliz!
_ Eu acho que ele seria mais feliz se fosse normal…
…
_ Se eu continuasse complicada, não teria salvado você. _ “Salvo ou salvado?”
_ Me salvado?
_ É, do que você queria no ano passado. _ “Salvado, é… tá certo.”
_ O que? Eu? Querer? Não! Eu não queria nada. _
_ Você acha que se eu fosse te encontrar não ia acontecer nada? A gente ia botar aquele país abaixo!
_ Não!
_ Você acha…
_ Não ia, eu nunca faria isso! Principalmente com você.
_ Nossa! _ “Xuxu, essa doeu em mim!”
_ Não, não quis dizer isso…
_ Tá.
_ Não principalmente com você porque eu teria medo de sentir alguma coisa, ficar preso e mudar o que eu tenho hoje. Eu não quero mudar nada.
…
_ Eu mudei muito?
_ Você está com voz de homem. _ “É, e deu uma engordada.”
_ Voz de velho.
_ É.. e engordou.
_ Pô!
_ Ah, você está apenas seguindo o ciclo da vida _ “Você que não está, né, gatinha.”
_ Eu não cresci muito nesse sentido, não gosto desse ciclo.
_ Qual é o nome dela?
_ Rafa
_ Rafaela?
_ Rafaele!
…
_ Eu quero te perguntar uma coisa…
_ Fala.
_ Naquele dia, na última vez que a gente se viu…
_ Você já perguntou isso!
_ Já?
_ Já. Não ia acontecer nada.
_ Como não? Você não pensou nisso?
_ Eu já respondi que não pensei nisso, eu estava lá de inocente.
_ Você sempre se fez muito mais de inocente do que era de verdade.
_ Eu juro que não pensei nisso!
_ Eu só não fui porque eu sabia que ia acontecer.
_ Não ia!
_ Ahh, você não pensou nisso nenhum segundo?
_ Eu não pensei! Qual o sentido de você me fazer uma pergunta se não vai acreditar na resposta?
_ Ok, então eu acredito. _ “Acredita nada!”
_ Acredita nada.
_ Mas podia ter acontecido…
_ Talvez, eu não pensei, mas podia.
_ Seria muito pior pra mim… _ “Ele ainda é fofo, vai…”
_ Ou não.
_ Ou não? Como assim?
_ Porque depois que aconteceu eu me casei com o cara. Então talvez fosse diferente, mas não pra pior.
_ Eu tenho que ir, abraço?
…
_ Abraço!!
…
_ Não conta isso pra ninguém.
_ Não conto.
_ Sério.
_ Não conto que dormi no trem e sonhei que encontrei você.