Tudo que ele sentia quando olhava pra ela era medo. Um medo desgraçado de não terminar nunca os seus projetos de vida. Ele não tinha ideia de quando se tornaria finalmente o homem que quer ser e só a partir dali poderia incluir alguém naquela bagunça milimetricamente organizada que era sua vida. Quando jovem abriu mão de muita coisa por algumas garotas e tudo o que se sabe é que ele nunca deixa ninguém saber de nada sobre como terminou. Enquanto se passava o filme futurístico na sua cabeça ela inquieta esperava uma resposta.
_ Eu gosto de ficar sozinho.
_ Eu não tô te pedindo pra morar comigo.
_ Não, eu gosto de ficar comigo mesmo, por dias, semanas, eu não tenho essa sua crise de espaço vazio ao redor.
_ Isso se chama humanidade.
_ Não, isso é dependência. Eu gosto de ser independente, fazer as coisas do meu jeito. Quando eu te procuro é porque já estou cansado de só ouvir minha própria voz e, cá entre nós, quando eu te vejo lembro que sua boca é muito mais gostosa que minhas mãos.
Ela saiu do quarto sem dar uma palavra, se trancou no banheiro e abriu a bica. Nenhum som vindo de fora, sem necessidade de abafar ruídos, 15 minutos depois saiu com os olhos inchados e maquiagem borrada:
_ Você é a pessoa mais grossa que eu já conheci _ disse pausadamente quebrando seu natural silêncio.
_ Mentira que aquele ‘altão’ da faculdade devia ser muito mais grosso que eu.
E riram juntos.
_ O que você quer? Que eu saia correndo atrás quando você tiver crise? Que eu fale o que você quer ouvir? Eu não vou fazer isso! Vou dizer o que eu penso e pronto. Eu não vou ceder a capricho de mulher, mimimi carência. Eu digo uma vez: eu quero você, eu não estou aqui só pra sexo, eu gosto de outras coisas em você não sei porque, mas, enfim, te digo uma vez. Duas, no máximo. Não vai ter SMS de manhã, de tarde, de noite, não vai ter essa chatice, eu só quero isso aqui se for assim, sem complicação. Enquanto for bom pra mim e pra você! _ exclamou como se aquela explicação fosse óbvia e universal.
_ Carinho não tem nada a ver com “ceder a capricho de mulher”, você se preocupa tanto com orgasmo, me dá orgasmo de alegria! Eu troco por um cuidado…
_ Orgasmo de alegria? _ ele cortou _ Eu sou grosso e você é a pessoa mais demente que eu conheço, quem fala ‘orgasmo de alegria’?
_ … Sensibilidade … _ ela disse levantando a voz.
_ Não, calma _ Ele pulou em cima dela prendendo seus braços _ Vou te dar um orgasmo de alegria. Que idiota!
Eles riram, se bateram, se machucaram até que cansaram e cada um voltou pro seu lado. Foi breve, mas por alguns minutos não parecia que estavam entrando naquele assunto que os leva sempre pro fim. Não porque já passaram pelo fim algumas vezes que eles não o temiam. Porque uma hora seria o fim definitivo.
_ Se eu não sou o que você espera, porque você me pede pra voltar? _ Ele perguntou sem nenhum compromisso com a resposta, se ajeitando no travesseiro e fechando os olhos. Ele acreditava que ela nunca o reparava. Ela sentou, abraçou a perna e escondeu um pouco o rosto de vergonha. _ Hum? _ ele murmurou. Depois de algum silêncio as palavras foram surgindo:
_ Porque você é sincero; digo, sincero com você mesmo, sem se sabotar. Porque você não mudaria seus planos por alguém que acabou de chegar. Porque você se respeita, acredita em você mesmo e tem boas ambições. Ambições que envolvem primeiro ser e o ter é apenas consequência _ Ele abriu os olhos _ Porque apesar de devagar, apesar de se atrasar, apesar de toda sua preguiça, você não quer parar. Porque você é mesmo lindo e gostoso. Porque apesar de ser um ogro, você representa bem o personagem fofo quando quer, e é muito chato alguém que é só ogro ou só fofo. Porque você me faz pensar em sacanagem. Porque eu me sinto completamente confortável quando estamos juntos, porque você ri das mesmas babaquices que eu, porque eu acredito e confio em você. Porque você não detesta minha comida…
_ Mas eu não gostei daqu…
_ Não me corta _ ela disse levantando a voz _ porque você não me vê como apenas um rostinho bonito. Porque a gente conversa sem fim quando eu não estou emburrada… Porque você também é movido a música. Porque você fica lindo concentrado, defendendo pontos e dirigindo. Porque seu beijo é… vida.
_ E eu sei que o seu tempo é precioso pra você, e respeito isso. Sei que você está na fase de se provar, de explorar, de se mostrar, de crescer… Mas eu esperei tanto tempo pra gostar de alguém assim, desse jeitinho que eu gosto das suas qualidades e defeitos, e achei. Eu já namorei caras perfeitos em tudo o que as mulheres querem, mas eu não consegui ficar com eles. Eu consegui amá-los, mas sem querer pra mim. Dispensei. Porque eu não procuro ninguém por quem a pessoa é, “oh, mil qualidades agradáveis”, eu sempre busquei alguém que me fizesse sentir viva, alguém que eu posso confiar em dizer: “o que eu sinto não é fogo na palha, é algo que eu posso cultivar porque tem os ingredientes e as substâncias que eu preciso pra manter queimando.” E eu encontrei isso em você. Eu não acho que você seja a única pessoa do mundo por quem eu vou sentir isso, eu não acredito em alma gêmea, em “feitos um pro outro”. É igual pegar concha na praia, você acha uma perfeita e demora a achar outra, porque são difíceis de encontrar, mas as outras estão lá em algum lugar. Só que como alguém pode virar as costas depois que encontra o que procura?
_ Pra mim é até fácil achar.
_ O quê?
_ “Conchas perfeitas” _ Ele completou.
_ Hum _ Ela se riu disfarçando a euforia.
_ Mas eu não estou procurando nenhuma concha!