Coração, eu sinto que me apaixono por você em outras pessoas. E eu fico sem saber se é você ou se sou eu. Porque a gente costumava ser bem únicos. Um só. Você me salvou tantas vezes, até de você. Você me libertou de mim mesma, dele, de tudo. Em troca eu matei o seu personagem no meu livro. Mentira, isso não está definido ainda, mas a possibilidade é bem grande. É porque eu não consigo conceber um mundo em que você está vivo em algum lugar e eu também, e não é o mesmo lugar. Calma, não no sentido que eu preferia que você estivesse morto. Mas no sentido que não faz nenhum sentido.
A gente se amou tanto. Mas tanto. A gente se amou como eu nunca vi casal feliz nenhum se amar. E a forma como a gente já sabia que seria perfeito mesmo antes de acontecer? “Não tem como não ser bom” era nossa frase favorita. Quando a gente se beijou no Arpoador pela primeira vez o mundo parou e eu digo isso literalmente. Quando a gente se beijou pela última vez, ano depois, na Tijuca, o mundo parou novamente. Como a gente simplesmente ignorou isso e deixou pra trás? Sim, eu sei que não foi “simplesmente”, mas hoje, distante, ouvindo nosso piano favorito, eu sinto que poderia só assoprar nossos problemas. Mas não é assim que funciona, eu sei…
Por isso eu continuo me apaixonando por você em outras pessoas. As nossas afinidades são tão raras mas, às vezes, eu descubro que não são únicas. Algumas partes podem ser achadas sim. Mas é desesperador ver que, mesmo não sendo você, ainda assim é complicado. Ainda assim a dificuldade fica no modo chefão pra mim.
Nosso sentimento tinha um nome e eu não me lembro mais qual era. Porque eu continuo me apaixonando por você em outras pessoas e os nomes mudam. Não apenas os nomes, pois são pessoas totalmente diferentes. Mas eu sei que é você porque se encaixa naquela definição de amor que eu escrevi na minha carta para o futuro. E aquela definição continua real, absoluta, mesmo eu tendo mudado tantas outras definições esta está intacta; porque com você foi quando eu mais me conheci, me entendi, me aceitei, me ouvi, me amei, me deixei ser amada e se eu faço isso até hoje é porque você me ensinou. A gente se olhava no espelho quando se olhava, minha maior afinidade e meu primeiro disposto.
Lembrar do final dessa história não me deixa apenas triste, mas sem esperança. Porque isso está acontecendo agora com milhares de pessoas que se amavam como a gente: Você me abandonou, eu te abandonei, você me abandonou e eu te abandonei tantas vezes. Falar do nosso amor no passado é extremamente desconfortável, mas é mais uma coisa que você me ensinou; até a superar o certo. Até ali você cuidou de mim. Uma pena a gente ter usado isso contra nós mesmos, nos impedindo de recomeçar quando foi finalmente possível.
Eu lembro quando passamos pelo Joá num fim de madrugada, sol querendo nascer, mas ainda só se via uma luz. O mar pleno, serene, num azul médio infinito, que se igualava com a cor do céu e eu não conseguia identificar onde começava um e terminava o outro. Foi uma das coisas mais bonitas que eu já vi e foi do seu lado. Aquela cena parecia a gente no passado: eu não sabia onde eu terminava e você começava e, hoje, faz mais sentido a gente não ter dado certo justamente por isso. A gente não daria certo. A gente não era completo em nada. Dois seres destruídos. A gente se encaixava tão bem porque nossas peças estavam tão massacradas que eram fragmentos. É muito mais fácil unir fragmentos do que peças grandes, mas fragmentos empilhados não são estáveis. Não era pra ser. Mas também não precisava ser assim.
Então segui me apaixonando por você em outras pessoas… Acontecia de forma natural porque, de fato, se alguém tem pelo menos 14% de você, eu já reconheço no escuro. E assim fiz poesias com outros nomes e chorei por outras saudades.
Mas hoje, eu quero te contar que me apaixonei por você em outra pessoa, e me descobri amando a pessoa por inteiro. Hoje é o dia que eu preciso da sua força pra superar um amor que foi além. Um amor dos certos. É um sentimento de completude muito maior que eu e você porque somos completos juntos e separados, sem fragmentos. Mas viver isso não está ao nosso alcance e pra vê-lo superar eu só preciso ir embora. Se eu pudesse te contar como é, você choraria comigo. Mas também me diria que eu não posso desistir tão rápido como fiz com você, você diria que eu deveria fazer de tudo e não simplesmente aceitar e virar as costas. Você diria que eu sou fraca, que nunca me entrego, que nunca tento de verdade. Você tem mágoas e não me compreenderia, mas eu compreendo você. Eu tentaria te explicar que a escolha não é minha e que eu realmente estou de mãos atadas aqui. Talvez, ainda assim, você não aceitasse mas com certeza sentiria comigo, me abraçaria e enfim diria “vai passar”.
O problema de você ter me ensinado que “vai passar” é que eu sei que vai. Mas é muito injusto ter que jogar isso tudo fora. E só você pra compreender a dimensão dessa injustiça do jeito que eu preciso agora. Me desculpe por essa angústia que você deve estar sentindo em casa.